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Janelas

janela cópia

Sempre gostei de janelas. Para ver o céu azul, sentir o cheiro da chuva, para deixar o vento entrar nos dias sufocantes de verão, admirar a lua cheia e, por que não dizer, observar o movimento das multidões que passam nas ruas, os trejeitos engraçados das pessoas que surgem e desaparecem em seus próprios destinos.

Quando era criança, tive a sorte de poder contar com uma grande janela em meu quarto. É verdade que não era nada fácil abrir as pesadas persianas de madeira dobráveis, muito menos suspender ou abaixar as caixas de vidro, igualmente pesadas, mas a visão era ótima. Contemplávamos quase toda a rua e, como a casa era um sobrado e ficava numa região alta, podíamos vislumbrar uma vasta porção da cidade. Passos nas calçadas ou vibração nos paralelepípedos, gritaria, risos e sirenes, o bairro era agitado pois possuía escolas, clubes e até a cadeia municipal situava-se ali. Lembro-me dos “7 de setembro” quando dezenas de estudantes voltavam do desfile comemorativo ao Dia da Independência para a sede do SENAI, uniformizados, carregando ou fazendo barulho com seus instrumentos musicais. Também gostávamos de ver o público todo arrumado indo ao “Baile dos Veteranos”, subindo a pé até o clube. E, de vez em quando, os camburões passavam em disparada, quase saindo do chão em solavancos, deixando-nos apreensivos e curiosos sobre os motivos daquela perturbação.

Eficiente como canal de comunicação, bastava abrir-se uma janela e logo a conversa era iniciada, vizinhas colocavam as novidades em dia, passavam recados, espalhavam notícias rapidamente.

Parece que, hoje em dia, esse costume diminuiu. As grades e os muros altos que nos dão a sensação de segurança contribuíram para esse isolamento. As janelas dos lares modernos são as televisões, os computadores, os celulares. É através deles que temos contato com o mundo externo. Um mundo real, mas impessoal, que não precisa, necessariamente, de reciprocidade. Basta estar conectado.

Porém, o universo virtual ganha em ritmo e em quantidade de dados. Enquanto na internet, com um clique, somos capazes de obter a previsão do tempo da semana inteira, o que podemos dizer olhando para o céu? Apenas o que vemos no momento, o que sentimos na pele. Se outrora sabíamos o que acontecia na vizinhança, com alguns parentes e, às vezes, uns poucos amigos, nas redes sociais é possível saber o que acontece com a filha da Madona, o neto da rainha da Inglaterra e com o cachorro da Casa Branca, tudo ao mesmo tempo.

O ponto negativo está exatamente na deterioração das relações humanas, no afastamento dos membros de uma mesma família, já que cada um prefere ficar entretido com seu aparelho, na falha de comunicação, pois, muitas vezes, os pensamentos aparecem fragmentados, fora de contexto e sem continuidade, na falta de vontade de dialogar, trocar ideias, saber o que o outro está pensando e sentindo.

Além disso, a velocidade e a alimentação massiva de informações destas novas formas de tecnologia acabam por distorcer a intensidade do que se vê e até do que se experimenta e tudo acaba parecendo lento demais. Nas janelas reais é preciso esperar pelos acontecimentos, ficar na expectativa. O semáforo tem o seu tempo, a senhora idosa demora para atravessar a rua, os diálogos inaudíveis não têm legendas, o sol leva horas até mudar de posição refletindo sua luz nos carros. E isso pode parecer chato aos olhos treinados para os jogos de vídeo. Como resultado, estes olhos vidrados nas telas que reluzem privam-se da beleza do voo de um beija-flor, das mudanças da natureza, das nuances do clima e das próprias pessoas. Parar por alguns segundos e observar os detalhes à nossa volta é que faz compreender o que acontece conosco, afinal, fazemos parte deste todo.

Espero que as futuras gerações ainda possam abrir suas janelas exteriores e interiores e usufruir desta experiência, desacelerar o compasso alucinante de atividades que resultam numa rotina desgastante, valorizar os relacionamentos, a aprendizagem, o toque, aquilo que podemos carregar na lembrança e na pele e não apenas no bolso, olhar para o lado de fora e trocar informações, interagir com o mundo, questioná-lo e amá-lo.

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